Se o propósito do gato for apenas esse (comer) então não sei exatamente onde me encaixo. Detesto ter apenas essa funcionalidade: alimentar esse animal. Prefiro mil dias com cem horas, e que elas ainda não passem, do que ter a função de alimentar. Mas, por outro lado, aqui ainda não sirvo de alimento (talvez, se eu morrer em casa, o gato se alimente do meu corpo). Mas no outro mundo, fora desse apartamento, creio que sou isso: alimento.

......chego em casa dez e qualquer coisa da noite. O gato vem miando, pedindo comida, mas - pelamor de Deus!, hoje não. O zero pisca em vermelho no visor da secretária. All the lights are out. Jogo a mochila e a pasta em qualquer canto da casa. O gato ainda vem atrás de mim, por comida, mas desconfio que o interesse dele seja apenas esse: comer.

frio...mas meu amor está com dor de cabeça, em casa, e tudo que resta para me aquecer é o café (líquidos dedos negros descendo por sabe-se lá qual biologia); café e memórias. É isso que me resta... tenho prova amanhã, e sei-lá-mais-o-que... segunda-feira é sempre um mistério impetuoso.

pra que dormir?

... e então eu pensei sobre tantas coisas: mercado de carnes: crianças, podem escolher! qualquer pedaço, qualquer corpo, qualquer boca com trinta e dois dentes, ou até mesmo uma língua! Porque, a verdade, é que a gente nunca sabe mesmo quando os dentes estão podres e quando a língua estará sangrando, então é melhor esconder tudo no saco da noite e viver assim, tateando na escuridão, com medo absurdo de cair - e o que se tornou mais importante não é mais sua mente nem seus pensamentos: são as suas mãos. Estranho, amor, muito estranho. Eu achei que o mais importante fosse... mas o que importa anyway o que eu achei ou pensei...?

Ouço ao longe ainda uma música, mas não sei dizer sobre o que ela é. É mais fácil viver assim: cego ou cega ou neutro.

Na hora concreta, faz-se a escolha.