10/10/2007



texto publicado em

4 Quartos

:: os presentes de um rei ::

eu deveria cantar pra você?

nessa escuridão onde estamos agora, eu deveria ser um homem menos denso e –

ele não trouxe coisa alguma, ele não sabia quem você era.

aqui não importa o que eu fui.

Quando eu era pequena tinha flores nos meus cabelos, o tempo todo. Elas nasciam e desabrochavam e eu as arrancava e dava para alguém. Estamos em guerra, eu estive em guerras intermináveis, cuidando de homens com ferimentos eternos. Agora as flores já não nascem, meus lábios estão secos e estou cega – ou os homens não olham mais como antes (eles só te querem até os 17).

eu deveria
cantar
pra você
dormir
nessa selva
?

eu não trouxe sentimentos em caixas, eu não trouxe sua bebida, eu não deveria ter vindo
aqui, nessa escuridão onde estou, eu deveria acender alguma luz – qualquer luz é luz quando estamos no escuro, ela diz com certa propriedade, procurando alguma coisa na bolsa.
E então fez-se luz. No meio de tanto escuro, uma vela quase no fim e um último fósforo mostraram-se úteis.

mas eu não salvo vidas

Ela sorriu para um homem que não sorria. O mundo parecia seguro, mais uma vez.

vamos entrar em outra escuridão, ela disse, olhando a vela que resistia como um deus.

Mas você irá nos guiar, ele disse, olhando a flor que surgia nos cabelos da última mulher.

E o menino – o último menino – que não sabia cantar, cantou.